quinta-feira, 21 de julho de 2011

Caminhos cruzados



Trem antigo (Site Ache tudo e região)














"Ia indo pra campanha,
na reta pra Livramento,
trabalhar numa fazenda
e lá fazer meu sustento.

Nunca fui de me prender,
andava solito no mundo.
Mas nesse dia fui conhecer
o amor verdadeiro, eu juro

Foi quando subi no trem
uma morena logo vi.
Quis conhecer a florzinha
e o seu permisso pedi

para sentar ao seu lado
e ela, amável, permitiu
Você ficaria encantado
com o que esse gaucho viu

Dezoito anos ela tinha
com uma beleza ofuscante
Aquela tão bela menina
era mesmo apaixonante

Me contou sobre sua vida
e um casamento iminente
Que com o próprio futuro
ela não estava contente

Com o dono de uma estância
o pai mandou ela casar,
mas aquela prenda já tinha
outra pessoa pra amar

Então o velho deu um jeito
de sumir com o coitado
lhe arrumando um emprego
do outro lado do estado

E a pobre guria agora
estava se vendo obrigada
a aceitar o seu destino
que em nada lhe agradava

Eu disse a ela então
que a tinha achado linda,
que comoveu meu coração
e pra fugir a convidaria

E a moça num relampeio
de uma idéia inesperada
aceitou viver comigo
em minha humilde morada

Nesse amor vindo de pialo
nascido no sol poente
esses caminhos cruzados
se juntaram para sempre"
Por: B. Farias (21/07/2011)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Tristeza sem fim




jean león palliere - tomando mate
























"Um gaúcho quando ama
é algo sem explicação
sua alegria vira um drama
se amargura o coração.

O mate parece lavado
e o trago fica mais fraco.
O churrasco sai salgado
e o pingo fica empacado.

Seu rincão não tem mais graça,
sua pinguancha não está lá.
A solidão não disfarça,
ela não vai mais voltar.

No amor não quer mais apego,
fica só acantonado.
A tristeza não dá arrego
e lhe deixa acabrunhado.

A prenda que isso causou
foi se embora pra outro pago
morar com um rico fazendeiro,
deixando o pobre abandonado.

A dor assim deixou sua marca
nesse pobre peão de estância
que não tinha uma pataca
nem títulos de importância.

Só tinha seu cavalo bueno,
o chapéu, o laço e o pala,
boleadeiras, sela, arreios
e uma adaga de prata.

Enquanto o grande estancieiro,
um homem muito abastado,
tem milhas de gado tambeiro,
ouro, prata e campo a largo.

É dono também de uma venda
onde mimos manda buscar
pra alegrar a interesseira
que com o dinheiro quis casar.

Sem nem olhar para trás
a chinoca então deixou
aquele humilde campeiro
que um dia disse que amou."

Por: B.Farias (15/07/2011)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre os currais e as tropas


Apartando en el corral, de Prilidiano Pueyrredón
   


  










"Tropeiros contam histórias
mais velhas que o alambrado
sobre as antigas mangueiras
onde à noite descansavam
São feitas de terra ou pedra
de Madeira ou planta viva
Ali eram os paradouros
da tropilha que se vinha

Das missões até pelotas
vinham vacas e cavalos
e as mulas iam pra Minas
por Curitiba e São Paulo
Quando acabou a charqueada
veio o ar refrigerado
mas isso não terminou
com estes velhos cercados

E então chegou trem
cruzando por estes pagos
que a todo vapor vem
atropelando  o passado
A máquina fez da tropeada
um ofício defasado
e o antigo tropeiro
ficou então desempregado

As mangueiras imponentes
que marcavam as coxilhas
foram sendo pouco usadas
e a cada dia menos vistas
O tempo seguiu seu rumo,
e elas foram esquecidas
infelizmente o abandono
hoje é a sua sina

Poucos sabem quem as fez
Escravos ou jesuítas
Espanhóis ou portugueses
Índios ou contrabandistas
que comerciavam o couro
antes mesmo da chegada
dos colonizadores           
donos das primeiras casas

mas os velhos ainda contam
que estes currais surgiram
bem antes do casarão
e dos povoados que cresciam
viram a história do Rio Grande
desde o seu nascimento
e ajudaram o tropeiro
a continuar em movimento

Com o que havia disponível,
suas porteiras fechavam
troncos cravados no chão,
com furos onde passavam
quatro varas de madeira,
descascadas, e formavam
o portão que encerrava,
dentro do curral o gado

Como não havia arame,
pro alambrado construir
a engenharia do campo
assim pôde produzir
arquitetura gaudéria,
paradouro pra dormir
feito já há tantos anos,
mas que hoje ainda está ali.

E o gado seguia vindo,
de boa parte do estado
pois as rotas das tropilhas
vinham de todos os lados
Pedras Altas, Hulha Negra,
ou de Pinheiro Machado
de São Gabriel, Santana,
e até de Santiago
Herval, Bagé, Candiota
ou então de Cacequi,
Lavras do Sul, Aceguá,
Canguçu e Piratini
Capão do Leão, Cerrito,
Arroio Grande e Pedro Osório
São Francisco, Alegrete,
de Itaqui ou de Rosário

É o corredor das tropas,
por onde passava o gado
É a estrada dos tropeiros,
aberta a pata de cavalo
Ela cruza o Uruguai,
e vai também à Argentina
e quem sabe até aonde
segue essa velha trilha

De qualquer forma os currais
são patrimônio gaudério
e devem ser respeitados,
não irem pro cemitério
Por isso peço ao amigo,
pecuarista ou lavrador
mantenha estas velhas taipas,
que nos têm tanto valor

À autoridade que nos ouve,
também faço um pedido
salvem esse patrimônio,
antes que seja esquecido
E à criança que um dia,
construirá o nosso futuro
cuide das velhas mangueiras,
elas são bens de nós todos

E estes tesouros da história,
continuarão sempre vivos
não só na nossa cultura,
mas também nos nossos livros
Poderão ser visitados,
para quem os quiser ver
testemunhas do gaúcho,
viram o Rio Grande nascer"

Por: B. Farias (Original 19/05/2010 - 2a versão 14/07/2011)

O trancaço da boleadeira



Boleando avestruces - Emeric Essex Vidal
 


















"o trancaço certeiro
de uma boleadeira
derrubou a ema
em cravada carreira

se andava livre
pela natureza
agora o bicho
atingido, se deita

e a caçadora
índia minuana
filha de pai bugre
com uma mãe cigana

com olhos tão verdes
quanto a primavera
e cabelos negros
como o breu das trevas

ela também é errante
e assim se alimenta
com a carne da ave
em dieta sangrenta

então essa gaúcha
num beijo de adaga
a caça sangrou
com a sua prateada

e o pobre animal
que vagando vivia
a correr pelos campos
pelas sesmarias

perdeu a liberdade
e também a vida
pois quem o carneou
seguiu então com sua lida

montou em seu flete
e seu rumo tomou
nem lembrou da presa
que a saciou

e o avestruz
que tão solto viveu
satifez a mundeira,
pra isso morreu"

Por: B. Farias (05/07/2011)

A sina do vagamundo



jean león palliere -A Pulperia (bolicho).
 Campaña de Buenos Aires. 1858.
 



"eu sou um gaúcho andante
e não tenho rincão certo
nas coxilhas sempre avante
só me gusta o campo aberto

então sigo sem remorso
sem rumo, sem rota, sem plano
pois ser livre é o que eu posso
ando um dia, um mês, um ano

não tenho teto de palha
nem um rancho de torrão
não tenho baia pro meu pingo
nem parador pro coração

não tenho prenda me esperando
nem trabalho em uma estância
não tenho nem compromisso
ou vida baseada em constância

sou chegado num bochincho
desses de beira de estrada
se não tem china, o trote espicho
nem prolongo minha parada

monto logo em meu overo
e sigo minha campereada
onde será meu paradeiro?
quem sabe o que a vida me guarda?

e enquanto não tiver guarida
eu vou gauderiando “ansim”
vago o mundo enquanto a lida
não muda ou não chega ao fim

vou rumando então pra outra
pulperia buena onde haja
churrasco, acordeon e güaina
truco, carreira e cachaça"

Por: Bruno Farias (14/07/2011)

Rumo de tropa


Pintura de Jean León Palliére














"vou troteando na vida
por mais que seja aguerrida
não descuido da minha lida
vou levando minha tropilha

não esqueço da partida
e da dor da despedida
do meu rancho, minha guarida
e da minha chinoca querida

esporeio meu cavalo
sem parada ou intervalo
sem nenhum trancaço pialo
que apareça por regalo

boleio a perna somente
com bom motivo, vivente
por certas razões a gente
ata o pingo bem contente

no caminho há encruzilhadas
pastos, postos e invernadas
hospedarias, boas aguadas
pra se fazer as paradas

mas não largo meu semblante
de bom tropeiro andante
não me  assusto com levante
chuva ou sol sufocante

sigo o rumo com meus bicho
sem distração ou capricho
gaita, carpeta ou bolicho
carreira, trago ou bochincho

descansarei no meu lar
do caminho e desse andar
que estou a falquejar
há tantos meses, sem cessar

e quando eu chegar lá
nos pelegos vou deitar
e pra minha prenda vou falar
que voltei ao meu lugar"

Por: B. Farias (14/06/2011)